A primeira coisa que Ornella Rodrigues escolhe mostrar em sua apresentação no Facebook é a de que é poetA. O A em maiúscula e as outras letras em minúsculo não são escolhas ao acaso ou erros de digitação: são decisões pensadas, como se feitas para dizer que a poesia nela é FemininA, em maiúsculo. Alguns poucos minutos de convivência presencial com ela fazem entender a escolha: Ornella é orgulhosamente mulher, negra, feminista e fora dos padrões convencionais de beleza. Transparece em seu jeito de vestir, sem medo de mostrar o corpo, nos colares e brincos que remetem à cultura afro-brasileira. Para conhecer seu lado poeta, entretanto, não basta olhá-la: é preciso entender seu jeito observador e introvertido, escutar sua fala calma e organizada, sua gargalhada alta e sem pudor. E, sobretudo, ler seus textos e poesias, publicadas no blog Ensaio sobre Poesia.

“A poesia é uma forma de exterminar meus fantasmas, de colocar um pouco da minha vivência enquanto mulher negra, gorda, fora de padrão, principalmente nessa sociedade tão normativa e cheia de rótulos”, diz. Durante anos, sua busca por tentar se encaixar em algum lugar se mostrou frustrada. Quando resolveu se aceitar, respeitar o seu corpo, suas vivências, sua vida facilitou: passou a se amar e se entender da forma que era, não da forma que queriam que fosse. Dizendo parece fácil, mas não é; demorou anos anos, e está em processo. Como diz uma de suas poesias, de março de 2018:

Fiz dos meus dias
Entrega
Saltos e quedas
Com começo
Meio
E fim

Pra que quando
Chegasse
No bater
Das horas
E meu corpo
Cansado
Fosse misto
De prazer e solidão

Tivesse a certeza
Que cada segundo
Cada minuto
Fui inteira
Sem arrependimentos
Nem medo

A arte e o candomblé tem papel importante nessa busca. Formada em Letras na Universidade Católica de Santos e com especialização em Psicopedagogia na Universidade Santa Cecilia (UNISANTA), ela hoje se identifica como poeta, escritora e fotógrafa muito a partir da sua formação na religião de matriz africana, em 2016. “As duas formas se interligam, a escrita como minha forma de existência, resistência, e a fotografia como meu olhar sobre o mundo. A partir daí tento transformá-lo em coisas bonitas, agradáveis, mesmo que para o olhar de outras pessoas essas coisas sejam feias, que não tenham sentido. Para mim elas tem”.

Fonte: Facebook pessoal

Seu interesse pela escrita vem desde pequena, um caminho de expressão para uma criança tímida e introvertida. Mais tarde, escrever a aproximou da militância feminista e do movimento negro. Sua escrita era mais vista nos trabalhos sociais que realizava na periferia; só nos últimos passou a se identificar enquanto artista além de militante. Seu primeiro livro como poetA vai ser publicado em agosto, pela editora Fractal, de São Paulo. Se chamará “Como domar um coração Selvagem” e vai reunir alguns dos poemas escritos nos últimos 10 anos em seu blog; de temáticas do corpo à militância, do sexo ao tédio, da melancolia à coisas ditas banais do cotidiano.

A forma de apresentar seu olhar sobre o mundo através da fotografia pode ser visto na página Ornelle Marie Photographer. Ali, tem mostrado seu trabalho retratando outras mulheres, como no projeto “Savage”, ensaios fotográficos com mulheres indomáveis. Ornella faz as fotos jogando com luz e sombra a partir de elementos da natureza, como galhos e folhas de árvores.

Moradora de Santos desde que nasceu, ela vive hoje no Estuário, local em que muitos imigrantes portugueses, a maioria estivadores, construíram seus chalés tempos atrás. O convite para participar da Colaboradora foi como uma tábua de salvação para esta geminiana afeita à noite e de pouco apreço por rotinas. “Trabalhei há 5 anos atrás como educadora na Vila Margarida, junto da comunidade do Mexico 70, em São Vicente, com pessoas em situação de drogadição, sem nenhum tipo de perspectiva de vida. Voltar a trabalhar com pessoas em regiões periféricas sempre foi minha vontade. Comecei a pensar que trabalhar na Colaboradora poderia ser revelador na minha trajetória como educadora social e agora artista – e desde que tenho me envolvido no projeto, em abril de 2018, de fato tem sido”.

Para conhecer as pessoas e o bairro de perto, Ornella tem transferido um pouco de seu cotidiano pra região em torno do LabxS. Faz compras de vela nas casas de axé, já conhece atendentes da padaria, vai na farmácia, compra pizzas. Se sente como uma moradora local – e diz que está gostando gostando muito. “Se tivesse um lugar para locar moraria aqui”, conta. Sua proposta na Colaboradora necessita essa convivência de perto: sua missão é fotografar a rotina, o movimento das ruas e também dos outros artistas que fazem parte do projeto. Sem esquecer da poesia: “quero também fazer as pessoas enxergarem a poesia em pequenas coisas, eternizar momentos para que fiquem guardados em cada pessoa”.

PROJETO

O projeto “Olhares sobre a colaboradora” tem como objetivo trabalhar a relação da mulher com sua autoimagem e o resgate de sua história/ancestralidade. Proporcionando oficinas de criação de poesias, lambes e de fotografia, visa o resgate de auto estima, discutindo ainda temas como sexualidade e direitos da mulher.

RELEASE PROFISSIONAL

Uma mulher negra em movimento. Tem 39 anos, é poeta, fotógrafa, candomblecista e feminista, formada em Letras e pós graduada em Piscopedagogia. Nasceu em Santos, São Paulo, no bairro do Estuário, onde reside atualmente.

Ativista dos direitos humanos, iniciou sua militância como colaboradora da Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos, fundada por Alzira Rufino. Foi voluntária nos núcleos Educafro da Baixada Santista por sete anos ministrando aulas de literatura e redação e coordenando ações de enfrentamento ao racismo institucional.

Colaborou com a formação dos conselhos municipais de juventude das cidades de Santos e São Vicente, ocupando a cadeira de mulheres negras.

Educadora social, atuou em projetos sociais em comunidades da Baixada Santista, produzindo cultura e socializando conhecimento.

Atualmente dedica-se à produção literária, difundindo a escrita entre mulheres, produzido trabalhos de fotografia com foco na acessibilidade, em pessoas invisibilizadas e na identidade feminina. Tem se dedicado ao estudo sobre o “corpo invisível” na dança, por meio da performance ainda em construção intitulada “Tsumani”. Lançou recentemento o livro “Como domar um coração selvagem” pela Editora Fractal.