Por Nina Guzzo

O que pode fazer um artista (ou uns artistas juntos)?

Transformar o papel das cadeiras.

De quem senta nelas.

De onde elas são colocadas (ou não).

Transformar o olhar de alguém, o pensamento de alguém, o desejo de alguém.

Transformar encontros improváveis.

Transformar territórios.

Friccionar mundos.

Essa é/foi a proposta do Fricções.

Colocar os 13 artistas da Colaboradora juntxs para criar uma fricção/ficção.

É importante saber que é a primeira Fricção.

Que haverão outras.

É imprescindível entender que é um processo.

E a partir daí debruçar pelo experienciado para continuar. Reparar. (Re) parar.

São muitas camadas que se colocam friccionadas: arte e território, nossos corpos e as instituições, nós e as pessoas, nós e nós mesmos como grupo de artistas pensando em transformar um território determinado.

Criar um tempo comum.

Fricções foi pensado como um dispositivo de encontro.

Começa com a vontade de tirar as cadeiras coloridas do Instituto Procomum (elas me chamaram atenção desde o primeiro dia que entrei lá), e espalhá-las pela Bacia do Mercado. Continua, com a vontade de juntar os artistas da Colaboradora em uma ação de deriva comum, produzindo um tempo de encontro, também no território.

Fricções é um jogo.

Ele tem uma única regra: que a gente se desloque pelo espaço, mantendo no campo de visão a pessoa que iniciou o jogo do nosso lado esquerdo.

Por que é importante essa regra?

Porque ela permite que a gente fique junto, que a gente produza o comum, mesmo vivendo experiências distintas durante a intervenção.

Por que é tão difícil manter essa única regra?

Porque a gente está muito mal treinado em entender a importância de manter os pactos comuns para um bem maior, que não é o nosso (individual) e sim, do COMUM.

O afeto que isso produziu e produz na gente, também passa a produzir em quem pode viver conosco a experiência: de pertencer, de sentar nas cadeiras coloridas no meio de um lugar esquecido, de conversar sobre arte, poesia, beleza em meio à tanta dor e desesperança, de entender que imaginar algo juntos pode criar uma potência maior em transformar o valor das coisas. 

Transformar o valor das coisas e das pessoas é o papel do artista.

[Os artistas] não sabem se estão fazendo algo que ainda tem valor nesses tempos em que os problemas sociais são tão vitais e críticos. Me pergunto sobre isso. Por que ainda sou um artista? […] Os artistas não estão aqui para destruir ou criar. Criar algo é tão simples e artless a fazer quanto destruir. […] o trabalho de um artista não é destruir mas mudar o valor das coisas.” (Ohno, 2015, p. 215 apud Fabião 2017)

Criar não é a tarefa do artista. Sua tarefa é de mudar o valor das coisas.” (Oiticica, 2009, p. 108 apud Fabião, 2017)

A proposta é conceber escapes não escapistas, ativar linhas de fuga estratégicas, elaborar instrumentos de luta que possibilitem combater da maneira que interessa, de lutar subvertendo a lógica da violência, operar mudança de valores de modo positivo, vitalista e experimental para que o corpo e performance sigam sempre nascendo, um por meio do outro.[…] A cada ação. De acordo com a escala e o alcance de cada ação. A cada encontro. Por meio de encontros. De troca em troca, de pensamento em pensamento, um dia depois do outro. E mais outro.” (Fabião, 2017, p. 92)

 

Referências Bibliográficas

FABIÃO, Eleonora. 2017. “Troco Tudo”. In: Performance na esfera pública. Lisboa: Orfeu Negro.

OITICICA, Hélio. 2009. “Experimentar o experimental (1972)”. Em: Encontros Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Beco do Azougue: 104-9.

OHNO, Yoko. 2015. “What is the relationship between the world and the artist?” Em: Yoko Ohno One Womam Show 1960-1971. Nova Iorque: MoMA: 215- 6.