Marilda Carvalho é a mais velha entre os 13 participantes da Colaboradora. Isso significa mais experiência e vivência em diferentes contextos – no caso dela, em diferentes regiões do Brasil, países, e com diferentes idiomas. Para contar um pouco de sua história é necessário informações que vão além de uma conversa franca e de uma pesquisa profunda em redes sociais. Não porque ela seja um “dinossauro” e não tenha informações suas nas redes sociais (o que não é verdade), mas porque estas informações não dão conta de todas as atividades que realizou. Então, para organizar uma narrativa sobre Marilda, seguimos sua cronologia.

Nascida e criada em em uma família de classe média de São Paulo, gostava desde criança de dançar: improvisava coreografias, fazia pequenos espetáculos para a família na escola, com gosto e vontade de atuar. Mais velha, entrou para o Bacharelado em Direção Teatral na ECA/USP em 1976, e logo que terminou a graduação emendou a Licenciatura em Teatro na mesma escola – como muitos na época (e ainda hoje) fazem, fez essa opção para “sobreviver”, já que dar aulas de teatro parece ser um caminho mais fácil de obter recursos para os cuidados da vida do que atuar, e para estar em sala de aula em escolas é necessário a Licenciatura.

Durante o período que esteve na ECA (1976 e 1981), Marilda fez parte de um grupo revolucionário na cena brasileira: Viajou sem Passaporte. No início do processo de abertura da ditadura militar, meados pro fim da década de 1970, eles propunham intervir em apresentações artísticas de outras peças teatrais ou mesmo no cotidiano, “de forma a romper ou questionar a normalidade de uma situação, através da criação coletiva e de trabalhos com base na improvisação”, como conta o perfil do grupo na Enciclopédia Itaú Cultural de Teatro. Sem hierarquias, diretores nem mesmo textos dramáticos a encenar, o grupo buscava referências no Dadaísmo e no Surrealismo para realizar principalmente quatro tipos de atividades: a criação de jogos criativos, a realização de intervenções urbanas, a recriação irônica de mídias e a investigação dos limites da imaginação humana.

São famosos os relatos de intervenções do grupo em outras peças encenadas da época. Em “A Vaca Surrealista”, de 1979, por exemplo, dois membros invadiram o palco e um terceiro sentou-se em uma cadeira do cenário; a cena prosseguia, e um dos atores do espetáculo, nervoso pela presença incômoda, atirou um copo d’água no provocador. De um outro tipo de intervenção, dessa vez no cotidiano, uma das que ficaram conhecidas é a “Na Trajetória do Curativo”. Fucionava assim: os integrantes do grupo se distribuem ao longo do trajeto de um ônibus. Um deles, com curativo no olho esquerdo, entra no ônibus, pagava a passagem e descia no ponto seguinte, onde um outro com curativo sobe, e assim por oito vezes. No último ponto, um ator do grupo mostrava um cartaz que trazia o nome do trabalho, com o desenho de uma pessoa com curativo no olho. Um observador disfarçado do Viajou, que fez todo o trajeto de dentro do ônibus, colheu impressões dos passageiros, entre elas, “hoje em dia só andando de ônibus para a gente se divertir”.

Viajou sem Passaporte; Marilda é a 6º da esq. para dir. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=512940742097341&set=t.617969112&type=3&theater

O grupo, com oito integrantes, marcou época pela proposta estética radical, mas “era só pesquisa, não dava um tostão”, como diz Marilda. Então ela seguiu na década de 1980 dando aulas em escolas, formando outros professores para atuar em creches, realizando projetos ligados à secretaria de culturas de cidades, entre outras ações. Entre 1982 e 1985, morou em Florianópolis e lá, além de teatro, trabalhou também com TV na Barriga Verde, afiliada local da Rede Bandeirantes. Foi atriz e apresentadora nos programas Clube do Pipoca e VTV, o primeiro para crianças e o segundo para adolescentes – públicos que ela trabalharia com frequência ao longo de sua carreira.

Voltou a São paulo em 1985, onde nasceu seu primeiro filho, e alguns anos depois retornou também à ECA-USP para fazer seu mestrado, com uma pesquisa em teatro comunitário a partir de um texto de Bertold Brecht. Dalí seguiu para UNESP, em Bauru, onde ensinou na graduação em Educação Artística. Concursada, com família, filhos, cachorro e quintal com um pé de abóbora e um de girassol, achou que se estabilizaria na cidade do interior paulistano, mas a permanência por muitos anos num mesmo local veio depois, em 1997, quando foi morar no Canadá. A mudança de país, conta, foi um projeto familiar: a escolha se deu por um país que recebia bem imigrantes, com educação e saúde pública de qualidade, baixo índice de violência. Todos estes predicados contaram para que a estada inicial prevista por Marilda, 2 anos, virassem 17 anos. Durante esse período, completou o programa de estudos para o Doutorado em Estudos e Práticas em Artes da Université du Québec à Montréal, com um projeto de pesquisa sobre o espaço intercultural no teatro com jovens; realizou, na mesma Montreal, o Festival LusArts entre 2006 e 2012, com atividades de criação e difusão dos trabalhos de artistas lusófonos, com o objetivo de aproximar comunidades de língua portuguesa mundo afora. Além de aprender e trabalhar em francês, também foi para o outro lado do país norte-americano, Vancouver, onde então se tornou fluente em inglês.

Os anos canadenses foram um período em que Marilda viveu nas bordas, como uma imigrante num país de primeiro mundo. Foi um mergulho individual que lhe ensinou muito sobre humildade e, também, resultou em experiências de trabalho solo com dramaturgia. Sem um grupo para trabalhar, ela passou a escrever peças sobre os aprendizados que teve na região. Saíram duas, ambas tratando, justamente, sobre imigração e “todos os sonhos que não se realizam e precisam ser adaptados à realidade”, como ela conta. “Minha cor é verde, meu coração é amarelo” foi a primeira e “Immigré, accent aigü”, a segunda, as duas montadas no Canadá.

Depois de 17 anos de vida num país estrangeiro, Marilda voltou ao Brasil em 2014 para trabalhar como professora substituta da Licenciatura em Teatro na Universidade Federal do Tocantins, em Palmas. Ficou um ano lá, uma experiência que ela relata como maravilhosa, principalmente porque voltou a trabalhar coletivamente, a falar português e a lidar com a simplicidade das pessoas do interior brasileiro. Depois desse período, resolveu que ficaria no Brasil, na sua terra e com a sua língua de nascença. Pós Tocantins, o primeiro passo foi decidir onde ela se estabilizaria: voltar a São Paulo? morar em outra capital brasileira? continuar no interior do país? Um pequeno apartamento perto do mar, em Embaré, uma quitinete sua de tempos atrás, ajudou a escolher Santos como sua nova morada. O passo seguinte foi o de reconstruir relações em seu trabalho: como resgatar os processos coletivos e colaborativos que ela tinha como uma de suas marcas de trabalho?

Depois de realizar alguns trabalhos e frequentar oficinas na região, a Colaboradora pode ser a resposta à pergunta que encerra o parágrafo anterior. Participar de um processo colaborativo como o proposto no projeto do LabxS anima Marilda; quer estar junto com todos os participantes para abrir o coração, mente e espírito para atuar e agir na Bacia do Mercado, território que ela está conhecendo agora e que vê um potencial enorme de trabalho. O projeto a ser realizado na Colaboradora depende muito da relação das pessoas com o território, e mais sobre ele ela não quer revelar por hora. “Amei o Lab, os três dias de imersão e estou achando maravilhosa essa possibilidade de participar de trabalhar nesse espaço precioso. Me sinto acolhida para voltar a trabalhar”.

 

PROJETO

PESSOAS, PLANTAS E HISTÓRIAS
NAS CALÇADAS DA BACIA DO MERCADO DE SANTOS

A proposta é a de abrir espaços neste território para a palavra e a biografia das pessoas que o habitam.

Como? Coletar as histórias dos habitantes do bairro através da estratégia de conhecer as plantas que cultivam em suas casa. Assim, história, sobrevivência, afetos, passado, esperanças e desejos se encontrariam no espaço da calçada de cada casa, onde haveriam duas cadeiras e uma mesinha com as plantas de cada participante. Ali, cada um,o habitante/ hospedeiro de quem chega para conhecê-lo, e à sua planta, podem se sentar, tomar uma aguinha e papear.

RELEASE PROFISSIONAL

Formada em Direção Teatral, Pedagogia do Teatro e Teatro Comunitário com mestrado pela ECA-USP. Criou e participou de coletivos artísticos: Viajou sem Passaporte, Oficina UsynaUzona,Théâtre Aye-Aye e Ollin Théâtre. Atuou como formadora em Teatro: SESC Pompéia-SP, Secretaria Estadual de Cultura- Cultura no Interior-SP, Oficinas Culturais Três Rios-SP e Glauco de Morais-Bauru, Tendal da Lapa-SP, UNESP-SP, UDESC-SC, UFSC-SC e UFT-TO. Estudou na UQAM – Montreal no Doctorat en Études et pratiques des arts. Como dramaturga e diretora teatral criou os espetáculos # Minha cor é verde meu coração e amarelo # Immigré, accent aigu # Piragy, une fable du paradis # Cravos Vermelhos # Mi dulce Alfonsina # Morro da Rainha # Histórias Maravilhosas. Foi criadora e produtora do festival LusArts em Montreal. Atualmente compõe A Colaboradora do Instituto Procomum com um projeto sobre Memórias de plantas e gentes.